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Título: Vazio I
Artista: Andrea Vieira Zanella
Técnica: Óleo e lama sobre tela
Dimensões: 100 x 100 cm
Ano de produção: 2022
Obra doada após a exposição do Edital 2023 “Águas passadas rasuram destinos”
Os trabalhos que compõem a exposição “Águas passadas rasuram destinos” emergiram de minha experiência como moradora atingida pelo maior desastre ambiental de Florianópolis/SC, o rompimento da lagoa de evapoinfiltração criada pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento em uma região de dunas, na Lagoa da Conceição. O despejo de milhões de litros de água e lama decorrentes de esgoto tratado em várias casas da região maculou a imagem da cidade, violou o ecossistema da lagoa e produziu sérios danos às pessoas que tiveram suas vidas violadas pelo descaso.
Guardei do evento trágico, além das feridas na alma, um tanto da lama fétida e escura que invadiu as casas e com ela trabalhei em uma perspectiva pictórica. Depurei essa lama e a transformei, com o acréscimo de verniz e tinta PVA, em material para as pinturas em tela e também para os trabalhos em tecido, os quais comportam os rastros dessa materialidade e das camadas de tinta que a ela se entreteceram.
A cicatriz de areia, rastro da destruição produzida pela avalanche de dejetos na mata entre a Lagoa da Conceição e a lagoa da CASAN, visível somente com o recurso da fotografia via satélite recolhida do Google Maps logo após o rompimento, é sutura frágil que perdura como memória do desastre. Cicatriz que inscreve no corpo da cidade a marca indelével do descaso ambiental, social, ecológico e político.
Brumadinho e Mariana, tragédias que escancararam em 2015 e 2019 a violência com que os subterrâneos da pátria vêm sendo violentados desde os tempos coloniais, não foram suficientes para mudar os rumos de uma política de exploração movida pela lógica insaciável do capital e o descaso para com o meio ambiente e a população que vive no entorno de barragens de água, de lama, de transposição, de esgoto. As pedras produzidas com a lama tóxica despejada sobre a cidade de Mariana pela artista Silvia Noronha são testemunhas da catástrofe que significa o rompimento de uma barragem, assim como os retratos de pessoas atingidas produzidos com essa mesma lama por Marcelo Tolentino a partir das fotografias de Alex Takaki. A arte escancara, insiste, resiste ao descaso e ao apagamento das memórias sepultadas.A exposição “Águas passadas rasuram destinos” vem se somar ao trabalho desses e outros artistas que lutam contra o esquecimento seletivo e afirmam uma política de memória para o que não se quer ver repetir. O conjunto de trabalhos, confeccionado com a lama do desastre e outros materiais, tensiona o modo como vidas vêm sendo objetificadas e colocadas em risco por desastres ambientais como esse; questiona a violência com que memórias significativas são destruídas; e visibiliza possibilidades de reinvenção da existência com os cacos do vivido.