O que há de você no AZUL? – Fernando Zenshô

As coisas não querem mais ser vistas por pessoas
razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul
(Manoel de Barros, O livro das ignorãças, 2016, p. 18)

 

O poeta anuncia a presença daquilo que não quer ser visto com olhos comuns, coisas que desejam ser olhadas de azul, como, por exemplo, o canto do perdiz ou sotaque das águas. Esta liberdade poética permite a cor ser entendida de outra forma, desloca o sentido da pigmentação para agregar um outro estado de ser. O azul apresentado amplia-se para um estado/uma cor, lançado para a capacidade de ser o respectivo espaço para o estado brincante.

Porém, o que seria um estado brincante? Certamente, podemos propor como um lugar de construção, mas não qualquer tipo de construção, algo que no seu contraditório, negue e utiliza-se do real em sua fabulação. Neste estado, o sujeito provido de brincadeira estabelece sua relação com o mundo de maneira muito peculiar, um modo que podemos entender como uma suspensão da rigidez racional. Abre, assim, possibilidades para envolvimentos libertos e experimentais, levando e sendo levado pelo imaginário, para que no querer do próprio processo de brincar ser motivo e causa do mesmo.

o que há de você no AZUL? é a pergunta que nos instiga a perceber outros modos de nos relacionarmos com a rigidez do ser adulto. Estabelece a ligação com a poesia, dá espaço para uma vivência onde as possibilidades de tocar a realidade apresentam-se no afeto com as coisas do mundo. Utilizando este posicionamento – estado brincante/poético/azul – também como descobertas e criações de mundos possíveis. O que o artista Fernando Zenshô propõe é um instante de brincadeira, um lugar de deslocamento do rigor lógico, criando um ambiente possível para tornar, pelo menos por um momento, nossas vidas mais azuis.

Marcello Carpes.