O Naufrágio – Eduardo Dias

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Título: O Naufrágio
Autor: Eduardo Dias
Dimensões: 66 x 85 cm
Linguagem: Pintura
Técnica: Óleo sobre tela
Tombo: 6543

O apreciado pintor catharinense sr. Eduardo Dias inicia hoje (20.10.1918) no salão Becker, à rua dr. Felippe Schmidt, a exposição dos seus trabalhos de pintura. Consta de 16 quadros bem trabalhados, em que o modesto artista derramou todo o colorido de suas tintas e o frescor de sua imaginação. Ha ali télas que bem merecem ser apreciadas. As paysagens dos recantos da nossa ilha, o Retrato de Francisca Bertini, A Borboleta, A margem da praia, A beira rio, as imagens de Christo e a do Senhor dos Passos, revelam aptidões de um talento que devia ter sido aproveitado com o ensino dos bons mestres.
O sr. Julio Moura, arrendatario do Theatro Alvaro de Carvalho, contractou com o sr. Eduardo Dias a pintura de todo o theatro. Igualmente foi contractado pelos srs. Antonino Linhares e Julio Moura, para as pinturas internas do Café Natal, situado no canto do Jardim Oliveira Bello. Amigos e admiradores, a cuja frente se acha o nosso prestimoso conterraneo Sr. Marçal Cardoso, tiveram a iniciativa de promover um festival em beneficio do modesto e apreciado pintor catharinense sr. Eduardo Dias. E merecedora de applausos a idéa de se auxiliar o conhecido artista que ahi vive a lutar, enfrentando as maiores dificuldades da vida, principalmente na angustiosa situação que atravessamos. Eduardo Dias não precisa de recomendação para o seu nome. Os seus trabalhos revelam uma organização artistica que não foi convenientemente aproveitada. Apezar do labutar diario na confecção de letreiros commerciaes e de vistosas scenographias, o que lhe garante a subsistencia de seus oito filhinhos, Eduardo Dias ainda produz umas lindas telas, em que paira a sua alma de artista. Sem se deixar desanimar ante as dificuldades presentes, o nosso modesto conterraneo ainda vive para as bellezas da Arte, transmitindo para os seus quadros os fulgurantes recantos da nossa formosa ilha. Faltam-lhe recursos materiaes. D’ahi a bella iniciativa dos seus amigos, organisando um festival que terá lugar no Theatro, por estes dias. Marçal Cardoso, o “andarilho do Bem”, tomou a iniciativa de um festival em beneficio do habilissimo pintor catharinense Eduardo Dias. Desde muito fazia-se sentir a necessidade de ampararamos o modesto conterraneo, estimulando-o com os nossos applausos, a não desanimar ante a indifferença dos seus conterraneos. É deveras lastimavel que alguns trabalhos de Eduardo Dias, verdadeiramente admiraveis, permaneçam durante muitos dias, e até meses, no Salão Beck, sem haver quem os adquira, apezar de merecer critica favoravel de todos que os veem. Infelizmente assim acontece, porque Eduardo Dias nasceu nesta terra que, liberal em louvores aos que aqui chegam e que, não raramente, abusam de nossa boa fé e de nossa hospitalidade, não sabe ser justa com a maioria de seus filhos mais distintos. Apparece em Florianopolis qualquer artista, muitas vezes de procedencia desconhecida, verdadeira “ave de arribação”e não lhe falta amparo dos nossos Mecenas, que sentem imenso prazer em ver seus nomes em algum jornal, como assistentes do “concerto do afamado tenor x, rival de Caruso”, ou compradores de telas do “laureado pintor y, um dos mais dignos discipulos de Victor Meirelles”. É tempo de perdermos o vezo de achar bom somente o que não é nosso, e foi compreendendo isso que o “andarilho do Bem” resolveu levar a effeito o festival em beneficio do consciencioso artista Eduardo Dias.
O festival que ante-hontem se realisou em honra e em beneficio do apreciado pintor catharinense Eduardo Dias, foi um serão de fina Arte. O Theatro Alvaro de Carvalho, poucas vezes apresentou um aspecto tão grandioso, como na noute de sexta-feira. Concurrencia avultuosa. O que ha de mais selecto no nosso meio, ahi affluiu, como uma prova de admiração ao modesto artista patricio. O festival teve inicio com um pequeno concerto vocal e instrumental, em que tomaram parte as gentilissimas senhoritas Antonietta Mello, Nair Moura, Maria Moura, Finetti Cunha, Helena Moura, Annita, Olga e Clara Secco, Maria de Lourdes Caldeira, Wanda Vianna, Adelaide Paladino e Nezita e Almira Linhares e a menina Dinah Paladino. Applausos não faltaram às graciosas senhoritas, que levaram ao festival do artista patricio o encanto de suas graças e as harmonias dulcissimas de sua Arte. Erguido o panno, uma commissão composta dos srs. drs. José Boiteux e Adolpho Konder, secretarios do Interior e da Fazenda, João Bittencourt Machado, Clovis de Araujo, coronel Hypolito Boiteux e Mascarenhas Filho, da “Terra Livre”, acompanhou ao palco o sr.
Eduardo Dias, que foi recebido por entre vibrantes salvas de palmas da platéa. O sr. dr. José
Boiteux collocou, então, ao peito do homenageado uma finissima medalha de oiro, presente da commissão promotora das homenagens ao jubileu de Ruy Barbosa. Neste instante, Eduardo Dias foi coberto de flores.
Saudando-o, palrou de um camarote, o sr. João de Aquino, funcionario dos telegraphos, que tristemente aproveitou a oportunidade de uma tão linda festa para fazer de souvarine, pregando idéas niilistas e anarchistas, a par de um desfructe de orador de caroço. Esteve abaixo da critica. Em nome do beneficiado, o sr. João Bittencourt Machado pronunciou um bello discurso de agradecimento aos iniciadores do festival e ao auditorio, sendo muito applaudido. Finalisou esta parte do programma com a apresentação de uma bellissima apotheose ao nosso Estado, trabalho de grande valor que atesta o merecimento do pintor Eduardo Dias. Terminou o espectaculo com a exhibição do film A Tormenta, em 8 actos.
Durante os intervallos, tocaram as bandas de musica Amor á Arte e Commercial e as da Força Publica.
Devido à ligeira molestia, não pôde comparecer ao festival o exmo. st. dr. Hercilio Luz, Governador do Estado.
A Republica, 20 de Outubro de 1918

Texto retidado do livro Ilha de Santa Catarina – TOMO 1 – Gilberto Gerlach